domingo, 20 de dezembro de 2009

Comênio

     Se considerarmos o momento histórico da proposta de Comênio, podemos dizer que foi algo revolucionário e ousado, pois imaginar e verbalizar que todos deveriam ter educação formal, inclusive mulheres e pobres era um disparate naqueles tempos medievais. E implantar ainda uma proposta de ensino onde se partia de conhecimentos prévios do aluno era fora de cogitação, pois este normalmente não era levado em conta na época, o ensino sendo centrado no professor.
     Eu encontro muitos elementos de Comênio relacionados com minha prática. O respeito ao ritmo e capacidade de aprendizagem do aluno, pois sou alfabetizadora, é a principal relação. Não posso “atropelar” o ritmo da criança nesta fase importante de sua vida escolar. Também partir do mais simples para o complicado, associar figura/letra/som, e utilizar jogos, músicas e brincadeiras fazem parte do cotidiano escolar do primeiro ano, minha sala de aula. Isto também me diferencia, pois utilizo estas técnicas não como relaxamento entre uma atividade e outra, mas sim como atividade propriamente dita.

     Infelizmente alguns professores das séries subseqüentes não utilizam mais estes recursos, sendo aluno atrás de aluno, fazendo silencio e copiando do quadro, assim parecendo que as crianças retrocederam no tempo para eras medievais, antes de Comênio escrever seu Orbis Pictus, ao saírem do primeiro ano e avançarem para o segundo.

Surdos

     Eu não conheço uma pessoa surda. Somente os posso observar conversando no ônibus, na língua de sinais. Minha opinião é que são pessoas como eu, mas que por algum motivo perderam a capacidade de ouvir.
     Acho que as pessoas ouvintes têm uma enorme dificuldade de se comunicar com pessoas surdas. Não conhecendo a linguagem de sinais, alguns gritam, como se isso fosse adiantar. A maneira correta de comunicação seria aprender a língua de sinais, mas sem esta ferramenta pode-se gesticular,desenhar, falar calmamente para que a pessoa leia os lábios.
     Eu não conheço nenhuma instituição de surdos onde estes participem como líderes. Os desafios dos surdos em diferentes instituições são muitos, mas o principal é ser entendido pelos ouvintes e fazer-se entender por eles. Estes em sua grande maioria não conhecem a língua de sinais, e também não se interessam em aprender, a não ser por necessidade específica, como quando um parente é surdo.

     Na escola é necessária uma prática pedagógica realmente inclusiva, onde a cultura e língua dos surdos sejam aprendidas como uma parte do currículo. E o professor, principalmente o alfabetizador, seja preparado para ensinar a leitura não somente a partir da oralidade.

Modelos de Letramento e Práticas de Alfabetização

 Por que a escola, sendo a mais importante agência de letramento, não se preocupa com o letramento social e sim apenas com um tipo de letramento, o escolar?
Por que cultural e historicamente o papel da escola é educar e alfabetizar, mas de uma maneira metódica e metodológica. Corrigir erros, premiar acertos. Assim é difícil ter espaço para o informal, que é a maneira como a maioria das crianças começa o letramento.
Nas classes sociais mais favorecidas, o letramento se dá mais cedo. Os pais têm possibilidade de comprar livros, assinam jornal, tem computador com internet. As crianças são mais estimuladas visual e oralmente. Nas classes desfavorecidas este letramento também se dá, mas através de meios mais simples, como televisão, igreja.
O grande equívoco da escola é ignorar este letramento inicial, e valorizar as velhas fórmulas. O letramento social acaba distante do letramento escolar. Desta maneira continua mostrando ao aluno que está desconectada, da realidade e do seu contexto porque o que o aluno experimentou e continua vivenciando fora é até mais lúdico e rico do que o que vivencia na sala de aula.
Quando apareceu a proposta do ensino de nove anos e entrada mais cedo da criança na escola, um dos motivos era esta desigualdade social: o filho do pobre, por não ter acesso a escolas particulares, aprendia a ler depois do filho do rico, que podia pôr seu filho nestas escolas que começam a estimular a criança precocemente. Então, o primeiro ano seria de letramento e alfabetização lúdica. Mas o que está acontecendo na maioria das instituições é a alfabetização forçada e esquecimento do letramento. Pior ainda quando os profissionais acham que “letramento é apresentar as letras”.
Mostra-se assim que muitos profissionais ainda não sabem o que é letramento. Já se fizeram palestras, cursos, e até especialistas se confundem. Então como conectar o social com o escolar, em um universo onde se trabalha ainda em cima do desconhecido?

Regina Hara

     Quando Paulo Freire propôs a palavra chave e tema gerador, não imaginou que estas práticas poderiam se mecanizar com o tempo, perdendo seu significado. O que Regina Hara quer nos fazer entender, é que o educador do EJA precisa usar esta palavra chave não somente como um decodificador de símbolos gráficos, mas que tenham real significado para os alunos compreenderem o mundo em que vivem. Para que sejam agentes de sua aprendizagem, relacionar e construir conceitos, bem como reconstruí-los com a aquisição de novos conhecimentos.
     Fala-se muito sobre respeitar os pressupostos dos alunos, e sabe-se que os alunos tanto do EJA quanto as crianças possuem idéias de como se dá a escrita, que são letras, que não se repetem, etc, mas será que estamos respeitando o conhecimento da realidade e experiência de vida destas pessoas? Tanto os adultos quanto as crianças não são “folhas em branco” onde podemos começar uma nova história, mas sim um livro há muito escrito, onde este aluno vai lançar um novo olhar e escrever de forma diferente esta história, a partir de novas aprendizagens.
     Há a necessidade de um compromisso político dos educadores para uma alfabetização que leve a discussões críticas-políticas que desenvolvam uma aprendizagem além da leitura e da escrita. Leitura de mundo, escrita para a comunicação e expressão e um estado de letramento que intervenha no meio em que vivem, seja através da consciência, seja por meio de ações de mudanças. O importante é colocarem-se como co-autores de sua própria história e história coletiva.